Catando os Cacos do Caos


Catando os cacos do caos

Catar os cacos do caos
como quem cata no deserto
o cacto- como se fosse flor.

Catar os restos e ossos da utopia
como de porta em porta
o lixeiro apanha
detritos da festa fria
e pobre no crepúsculos
e aquece na fogueira erguida
com os destroços do dia.

Catar a verdade contida
em cada concha de mão,
como o mendigo cata as pulgas
no pêlo- do dia cão.

Recortar o sentido
como o alfaiate-artista,
costurá-lo pelo avesso
com a inconsútil emenda
à vista.

Como o arqueólogo
reunir os fragmentos,
como se ao ventos
e pudessem pedir as flores
despetaladas no tempo
.
Catar os cacos de Dionisio
e Baco, no mosaico antigo
e no copo seco erguido
beber o vinho
ou sangue vertido.

Catar os cacos de Orfeu partido
pela paixão das bacantes
e com Prometeu refazer
o fígado- como era antes.

Catar palavras cortantes
no rio do escuro instante
e descobrir nessas pedras
o brilho do diamante.

É um quebra-cabeça?

Então
de cabeça quebrada vamos
sobre a parede do nada
deixar gravada a emoção

Cacos de mim
Cacos do não
Cacos do sim
Cacos do antes
Cacos do fim
Não é dentro
nem fora
embora seja dentro e fora
no nunca e a toda hora
que violento
o sentido nos deflora.

Catar os cacos
do presente e outrora
e enfrentar a noite
com o vitral da aurora.

Affonso Romano de Sant´ana

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